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Minha mãe morreu em vida

Carol Souza
2024-03-21 23:08:36
Minha mãe tem 48, mas parece ter morrido faz 4 anos. Mamãe teve uma vida muito plena de tragédias, as quais, pouco a pouco, retiraram a sanidade dela. A primeira delas foi perder a mãe aos 12, para o câncer. A partir daí, foi colecionando traumas de variados tamanhos: abusos, humilhações, doenças, dificuldades financeiras e, de maneira geral, alguma tristeza e agonia contínuas de viver. Apesar disso, persistiu aqui, mesmo querendo muito ir, ao se apegar nas poucas pessoas que criou laços de amor: eu e meu pai. Mas basear a felicidade em pessoas é perigoso, porque a Vida vê oportunidade para nos sabotar. No que foi o último trauma da prateleira de mamãe, a Vida levou meu pai em 2020, por COVID-19. Sobrou, para ela continuar por aqui, eu. E eu, como qualquer um, sou insuficiente para justificar uma existência inteira, porque também tenho a minha para enfrentar. Continuo com ela, dou meu apoio financeiro, minha fala e meu amor, mas não posso, sob pena de também falecer, dedicar-me integralmente para ela. E ela percebe. Sabe que, em triste metáfora, eu também vou embora. Quer protestar e me fazer ficar, mas entende, com o fio de sanidade que lhe resta, que não pode. E, se isso não pode, não faz mais nada: não estuda, não trabalha, não limpa, não conversa, não se medica, não se impõe. Virou uma decoração sinistra, estática, na sala de casa. Olhos fundos de quem jamais dorme e, ao mesmo tempo, também nunca está acordada. Emagrece em todos os cantos, com a pele lhe caindo ao longo de onde havia gordura, embora permaneça pesada. Está doente, com uma hérnia lhe estrangulando o intestino, com pernas empedrando de má circulação, com a depressão lhe definhando o cérebro, mas não fará cirurgias, nem exames, nem remédios. A Vida, depois de insistir por décadas, finalmente lhe venceu antes que a morte a encontrasse.

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